Uma reflexão psicanalítica sobre o filme: Eu, Mamãe e os Meninos – Les Garçons Et Guillaume, À Table! (2013)

O presente texto vem como resposta a um exercício de leitura psicanalítica do sobre o filme “Les Garçons Et Guillaume, à Table”. Não tenho com pretensão esgotar a abrangência de significados apresentados na obra, mas sim o de escolher uma das linhas possíveis e construir uma rede teórico clínico e seguir até onde for possível ou viável. A discussão aqui apresentada se apoia na psicanalise Freudiana.
 
O ponto de partida aqui escolhido para iniciar a discussão não é arbitrário, pois ao meu ver se trata do coração da obra resumida em uma sentença, o próprio nome do filme. Seu título chegou para mim em primeiro momento em sua versão em inglês, que seria: “Me, myself and mum”, esse a princípio me sugeria logo na largada uma visão edipiana da obra, o que não está tão errado, mas agora se perde nessa tradução. Seu equivalente na versão em português foi traduzido para “Eu, mamãe e os meninos” o também sugere uma questão edipiana, mas que sugere uma rivalidade e até mesmo um olhar sobre a dinâmica do narcisismo na obra. Mas nenhum dos títulos foi tão feliz como o seu título original em francês “Les Garçons Et Guillaume, à Table” (os meninos e Guilleaume, à mesa), essa sentença em minha visão já indica uma direção para o olhar, que percorrera todo o filme, o do sujeito na busca de uma identidade para se sentar à mesa com sua família, essa será a proposta da minha leitura.
 
O filme começa com Guilleaume frente ao espelho, preste a entrar no palco, ele está maquiado, exageradamente maquiado, como se tivesse recorrendo a uma defesa, o que surpreende é seu movimento antes de ir ao palco, no qual retira toda essa maquiagem. Esse gesto simbólico que antecede a sua ida ao palco talvez indique sua intenção, a de se apresentar como realmente é. Uma posição segura de si, em sintonia consigo mesmo, toda essa apresentação segura de si cria um ponto de referencia para o que vem a seguir, nosso protagonista terá a difícil tarefa de dizer sobre o seu passado, numa tragedia, transformada em comedia, no intuído de retirar parte do peso de algumas experiencias potencialmente devastadoras. E talvez esse tenha sido um dos seus principais recursos que o permitiu chegar aonde está, a sublimação.
 
O filme segue o relato de Guilleaume, e retorna para uma época onde ele ainda se apresenta como menino para uma mãe poderosa e aparentemente inacessível. Guilleaume se apresenta como adulto desde o princípio da história, mas coloca-se como criança frente a essa mãe, escolhe sentar em uma cadeira de infantil ao invés de uma para adultos, ao tempo em que tenta usar todos seus recursos para trazer pra si o olhar distante da mãe, o que me faz pensar não se sentira devidamente investido narcisicamente. O que não surpreende, pois seus irmãos e pai são apresentados como exemplos de força e virilidade, tudo que eles não conseguem ver em Guilleaume, aos olhos de todos ele parece ter nascido sem elas. Nosso protagonista se vê destinado a perder em qualquer confronto que venha a estabelecer com qualquer um deles, por fim recorre a fuga do confronto. Talvez tenhamos um dos exemplos mais nítidos e clássicos da ameaça de castração. O que temos como diferença é que ao invés de desistir do objeto interditado, ele recua para posição infantil, como alguém que não representa ameaça, mas essa fuga para o narcisismo infantil custa lhe caro. Ele demonstra um temor fóbico de cavalos, análogo ao do clássico caso de fobia infantil de Freud. Assim como o pequeno Hans, seu sintoma trás o benefício de fazer mais próximo da mãe, já que nunca consegue sair com seus irmão e pai. Outro ponto importante é a sua insistência em colar em si as características das pessoas que lhe causam afeto, usando o mecanismo de introjeção, o que revela um nível de regressão oral, onde ele tenta engolir por inteiro os objetos externos, ou seja, não existe uma assimilação dos objetos externos, as figuras sempre se apresentam por inteiro dentro dele mesmo, e como consequência também ocorre uma apropriação do discurso da mãe para si, como todas suas limitações, cresças e preconceitos.
 
A impressão que essa mãe não olha para Guilleaume, ela está em busca de um objeto que lhe foi perdido, a minha tese é que se trata de uma mãe enlutada, que perdeu sua quarta filha (uma menina) e negou a si de viver o luto, o retorno do luto recalcado vem como uma projeção massiva em Guilleaume, ele passa a representar também a irmã que não existe mais. Sustento essa hipótese com o olhar do próprio Guilleaume, que durante uma de suas recordações vislumbra uma babá subindo as escadas com um bebé, sendo que esse bebé não será citada em mais nenhum momento do filme, sua existência é recalcada para todos. Guilleaume aceita pagar o preço de ser tratada como menina pela mãe, uma vez que isso restaura o olhar interessado e amoroso da mãe que na maior parte do tempo ficava absorvido com pelo luto negado.
 
Para nosso protagonista a solução é uma tentativa de restaurar próprio narcisismo, ele percebe na sentença que lhe é pronunciada quando criança “Meninos e Guilleaume, à mesa”, a possibilidade de se diferenciar de seus irmãos, de ter a mãe o privilegio do olhar dessa mãe. O modo seria introjetar o feminino em si mesmo, fazer com que sua mãe reconheça o feminino que tanto desejou em uma filha, para ser amado por sua mãe Guilleaume aceita pagar o preço que acabaram custando o seu Eu. Formasse ai uma Superego sobrecarregado com as introjeções não assimiladas que exige que o eu se adeque as suas exigências ou sentindo-se inadequada no mundo.
 
Já que o que acontece a seguir no filme é justa mente a compreensão da inadequação do protagonista ao mundo. Ele sente que ama como uma menina, mas nunca havia se compreendido como menino, esse lugar de menino não lhe parecia disponível em nenhum momento, pois a formula era “meninos e Guilleaume”, portanto o que pode supor é que não era um menino. Nosso protagonista encontrou no feminino a fuga para a castração, mas agora tardiamente é convocada para baila, seu interesse por meninos até então era puramente logico, já que ao se ver como menina, acreditava que deveria gostar de garotos, mas a tese central aqui ainda não é sobre a sexualidade, mas sim sobre a identidade. A questão é sobre como construir um Eu que possa passar pelo édipo, abrir mão de seu objeto de amor primário para vivenciar sua genitalidade, seja ela qual for.
 
O confronto tardio com o édipo faz com que ele tenha um adoecimento crônico, chegando a alucinar com a presença de sua mãe em diferentes momentos. Esse é o período em que Guilleaume inicia sua análise, recorrendo a diferentes analistas, e ao mesmo tempo tenta experimentar uma relação homossexual, o que o coloca repentinamente com um momento e insight sobre si mesmo e sua fobia de cavalos ao ver o pênis de um rapaz que estava prestes a se relacionar. O cavalo representaria a agressividade e virilidade que ele via em seus irmão e pai, mas que recalcava em si mesmo.
 
A solução que o filme apresenta foi colocar o protagonista em contato com um cavalo de forma progressiva e insistente, até que ele conseguisse superar seus medos e seguir em seu amadurecimento. Para mim essa serve como uma metáfora para o si mesmo no contato com sua parte recalcada, o que permitiria enfim elaborar e assimilação de todas as figuras que antes aviam sido introjetadas inteiras.
 
A partir daí foi possível que ele enxergasse Amandine, e se apaixonasse por ela, coroando sua saída do édipo para o mundo. A saída agora se dá na fala da amiga de Guilleaume: “Meninas e Guilleaume, à mesa”, e agora de fato ele sente que tem um lugar a mesa, e tem coragem de assumir sua identidade e abandonando o narcisismo infantil.
 
Por fim, foi possível para o protagonista admitir para si mesmo uma idealização de sua mãe, que durante o filme todo era muito parecida com sigo mesmo (o que me sugere a hipótese de essa mãe estar recebendo a libido narcísica), quando essa mãe deixa de ser super investida, ele passa a vela de uma forma diferente (a mãe passa a ser representada por outra atriz).
 
A jornada do Guilleaume é custosa, e o preço, é a fuga do complexo de édipo. Essa história demonstra como as figuras parentais tem papel fundamental na estruturação de um caminho que solucione esse conflito. E que em um meio muito exigente, tende dar margem para o surgimento de sentimento de insuficiência e inadequação. Mas o recuso para a solução dessa conflitiva é sempre a possibilidade de escolha em detrimento da de fuga, sendo que a travessia do complexo de édipo, simboliza o próprio naufrágio do mesmo complexo.

Ilcemar de Oliveira, Psicólogo
CRP: 06/114262

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